Tempo, tempo, tempo, tempo...

domingo, 4 de abril de 2010

DOIS EM UM...

Olavo Bilac, o Príncipe dos poetas, sempre dominou com maestria a língua e a arte de fazer poesia: seu refinamento formal, o culto da forma, características predominantes do seu movimento, o Parnasianismo, não tirou-lhe o sopro romântico de seus versos... O poema "Via-Láctea" é um exemplo maior da fusão que ele faz pelo culto à forma ( característica parnasiana ) e ao sentimentalismo romântico:
VIA-LÁCTEA
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite; enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi:"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".
Observa-se que o eu-lírico tem uma conversa com os amigos que o acusa de insano por conversar com estrelas ( atitude romântica ).
Embora com características românticas, o poema é um soneto riquíssimo:
. Suas rimas são alternadas ( ABAB ):
CERTO (A)
ENTANTO (B)
DESPERTO (A)
ESPANTO (B)
. O poeta usa inversão frasal: "Ora (direis) ouvir estrelas!".
. Presença de rima rica, rara: CERTO-DESPERTO ( categorias gramaticais
diferentes ).
. Quartetos/tercetos bem elaborados formalmente.
. Há de se considerar que os dois últimos versos do poema, funciona como a
"chave de ouro", por condensar toda a intensão do poeta, arrematando sua
concepção final.
Mas, Enkantinho, o que Belchior ( cantor e compositor cearense )tem a ver com Via-láctea?!
Bem, Belchior tem uma canção linda, chamada "Divina comédia humana", que possui parte dos primeiros versos escritos por Bilac no século XIX.
Isso é "intertextualidade"!
Se não conhecem a letra, deixo-a para conferirem, mas não deixem de ouvi-la, viu? É lindaaaaa!
DIVINA COMÉDIA HUMANA
Estava mais angustiado
Que um goleiro na hora do gol
Quando você entrou em mim
Como o sol no quintal
Aí um analista amigo meu, disse
Que desse jeito eu não vou ser feliz direito
Porque o amor é uma coisa mais profunda
Que um encontro casual
Aí um analista amigo meu, disse
Que desse jeito não vou viver satisfeito
Porque o amor é uma coisa mais profunda
Que uma transa sensual
Deixando a profundidade de lado
Eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia
Fazendo tudo de novo, dizendo sim a paixão
Morando na filosofia
Quero gozar no seu céu,
Pode ser no seu inferno
Viver a divina comédia humana
Onde nada é eterno
Ora, direis, ouvir estrelas
Certo, perdeste o senso
E eu vos direi, no entanto,
Enquanto houver espaço, corpo, tempo
E algum modo de dizer não, eu canto
Enquanto houver espaço, corpo, tempo
E algum modo de dizer não, eu canto.

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