Tempo, tempo, tempo, tempo...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Uma primavera no Japão...














Cheguei no Japão em plena primavera. Um sonho! Um verdadeiro sonho! As flores estavam em toda parte e a cidade estava de um colorido nunca por mim vislumbrado.
O que mais me chamou a atenção, é que elas brotavam em qualquer lugar e as pessoas a conservavam ali, quietinhas, a embelezar os caminhos.
As fachadas dos jardins residenciais ( que não possuem grades ) eram de extasiar: flores de todas as matizes...
Quando me deparei com o primeiro jardim japonês, imaginei ser uma floricultura, estimulada pelo fato de as infinitas flores estarem em vasos diversos, num colorido deslumbrante. Sim, uma verdadeira floricultura e o mais surpreendente é que ninguém mexe, ninguém destroi!
Passei toda a primavera parando para fotografá-las: muitas vezes, eu roubava um flash até certo ponto envergonhada, já que os japoneses são muito discretos e primam por valorizar a privacidade dos outros.
Deixo algumas fotos ( não creio que sejam as melhores, já que perdi grande parte dos meus arquivos ) e um texto muito doce que fala dessa estação tão bela, tão singela, tão intensa!
Primavera
Cecília Meireles
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, esses criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarões que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes - e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododentros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, - e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, - e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quisrem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, - e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, - por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida - e efêmera.
Obra em prosa - volume 1 - Editora Nova Fronteira - RJ 1998

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