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domingo, 27 de junho de 2010

NEOCONCRETISMO ( Poesia social )

NÃO HÁ VAGAS O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão. O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras – porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas” Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço O poema, senhores, não fede nem cheira. GULLAR, Ferreira. “Não há vagas”. In: Toda Poesia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980. p. 224 No ano de 1959, Ferreira Gullar lidera uma dissidência dos artistas concretos do Rio de Janeiro. Por meio do manifesto publicado no Jornal do Brasil, propõe uma poesia social, mais comunicativa e voltada para os problemas do país, reagindo contra os excessos formais do movimento concretista, do qual participara. Este movimento recebeu o nome de Neoconcretismo, o que era um equívoco, já que sua intenção era social e de ação política. Ferreira Gullar, Affonso Ávila, Thiago de Melo, José Paulo Paes e Jamil Haddad são os destaques desse grupo. Repensando a poesia Não há vagas: A ausência de pontuação reflete a poesia modernista. Gullar expõe uma poesia engajada, denunciando o desemprego ( não há vagas ), o preço exorbitante dos gêneros alimentícios de primeira necessidade ( feijão, arroz... ), o homem faminto ( sem estômago ), a mulher fútil ( de nuvens ) e ainda nos fala da sonegação e da crítica acirrada do funcionalismo público. Ferreira Gullar ( José Ribamar Ferreira )é um poeta extremamente inovador e audacioso nas suas colocações poéticas. Em virtude dessa audácia, Gullar viveu um exílio grandioso na Rússia, Peru, Chile e Argentina ( década de 70 ) e foi preso em 1971 ( RJ ), pelo Departamento de Polícia Política e Social, antigo DOPS. Conta-se que para sobreviver, dava aulas particulares ( in Buenos Aires ). Ferreira Gullar é intenso e rico na arte poética: fez teatro,traduções, adaptações para a televisão, montagens teatrais e documentários, é crítico de arte, biógrafo, ensaísta e memorialista. A redação sobre o Dia do Trabalho,1945, no período escolar ( que o fez vencedor ), foi o que o impulsionou a tornar-se escritor. Aos 79 ( setenta e nove ) anos, Esse poeta irreverente continua nos alegrando com sua arte e sua oratória própria dos cultos maranhenses. Alguém uma vez perguntou-lhe: - Ferreira Gullar, poesia é destino? Ele asseverou poeticamente: Prefiro dizer que é vocação. O poeta traz do berço um modo próprio de lidar com a palavra. Não se trata, porém, de um presente dos deuses, de uma concessão divina, como se pregava em outras épocas. Trata-se de um fenômeno genético, biológico, sei lá. Há quem nasça com talento para pintar, jogar futebol ou roubar. E há quem nasça com talento para fazer poemas. Sem a vocação, o sujeito não vai longe. Pode virar um excelente leitor ou crítico de poesia, mas nunca se transformará num poeta respeitável. Quando um jovem me mostra originais, percebo de cara se é ou não do ramo. Leio dois ou três poemas e concluo de imediato. Por outro lado, caso o sujeito tenha a vocação e não trabalhe duro, dificilmente produzirá um verso que preste. Se não estudar, se não batalhar pelo domínio da linguagem, acabará desperdiçando o talento. "Nasci poeta, vou ser poeta." Não, não funciona assim. Converter a vocação em expressão demanda um esforço imenso. Tudo vai depender do equilíbrio entre o acaso e a necessidade. A vocação é acaso. A expressão é necessidade. Compreende a diferença? No fundo, a vida não passa de uma constante tensão entre acaso e necessidade.

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