Tempo, tempo, tempo, tempo...

domingo, 16 de janeiro de 2011

Nas paredes da memória...

Sei que quase todo mundo sabe que sou "fessorinha" ( em fim de carreira! ).

Sempre tive uma memória "exemplar" no tocante a decorar nomes e fisionomias: é muito raro encontrar um ex aluno e não lembrar o nome e suas características peculiares...

Mas vou contar-lhe um segredo: ela já não é mais a mesma e muitas vezes fico irritada com maldades que a bendita de vez em quando me prega.

Num desses dias, encontrei um ex-aluno que, com todo o entusiasmo veio correndo ao meu encontro, abraçou-me, beijou-me e tratou de puxar conversa comigo.
Putz! Eu havia sido importante demais à vida estudantil dele e fiquei extasiada a ouvi-lo falar, falar e eu "louquinha" buscando ajuda da velha memória e ela nada. Nadaaaaaaaaa!

Não sabia o que dizer diante de seus comentários ( não consigo fingir! );  fiz de tudo para contornar a situação e cada vez mais me enrolava. O duro era quando ele tecia comentários acerca de outros colegas que eu recordava recorria à tela da minha lembrança algo que me fizesse lembrar-lhe e nada! Nadica de nada!
Passado o encontro, ainda continuo a brigar com a velha memória e "danadinha" nada de me dar sinal de vida! Bem que ela poderia tirar-me desse hiato, já que me deixou suando frio, sem sentir o chão e sem palavras! Imaginem, uma fessorinha de português, sem palavras!!!

Consegui safar-me de forma delicada. Senti, porque tive que fingir que o reconheci mas não concebi a ideia de ser sincera naquele momento. Nossa! Eu senti o seu carinho, apreço, gratidão e só coube a mim o fingimento. Claro que um fingimento cheio de carinho, porque via naqueles olhos um amontoado de estima!

Prometi para mim mesma que ainda chegarei a lembrar daquele aluno tão dócil e tão atencioso!

O ocorrido fez-me lembrar de uma velha crônica de Luis Fernando Veríssimo, que resume bem todo o sufoco que senti...





GRANDE EDGAR ( fragmentada por mim )





Já deve ter acontecido com você.

- Não está se lembrando de mim?

... Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele está ali, sorrindo, os olhos iluminados, antecipando sua resposta. Lembra ou não lembra?

Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.

Um, o curto, grosso e sincero.

- Não.

 [..] O "Não seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. [...] Você devia ter vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.

Outro caminho, [ ... ] é o da dissimulação.

- Não me diga. Você é o...o...

"Não me diga", no caso, quer dizer "Me diga, me diga". Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode dizer algo como:

- Desculpe, deve ser a velhice, mas...

Este também é um apelo à piedade. Significa "Não torture um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!"[...]

E há o terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e a ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.

- Claro que estou me lembrando de você!

Você não quer magoá-lo, é isso. Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase que não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:

- Há quanto tempo!

Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.

- Então me diga que sou.

Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco [...] mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:

- Pois é.

Ou:

- Bota tempo nisso.

[... ] Quem é esse cara, meu Deus? [...]

( É o Ademar! Não, o Ademar já morreu. [...] Quem é esse cara?

- É incrível como a gente perde contato.

- É mesmo.

Uma tentativa.

( Durante a narração, o desconhecido segue falando o nome de várias pessoas da época, enquanto o outro não lembra de nenhum dos nomes e em seguida balbucia ):

- Rezende...

- Quem?

Não é ele. Pelo menos isto está esclarecido.

- Não tinha um Resende na turma?

- Não me lembro.

- Devo estar confundindo.

Silêncio. Você sente que está prestes a ser desmascarado.

Ele fala:

- Sabe que a Ritinha casou?

- Não! [...]

- Com quem?

- [...] O Bituca.

Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. [...] Você está tomado por uma espécie de euforia terminal. [...] Como que não conhece o Bituca?

- Claro que conheci! Velho Bituca...

- Pois casaram.

É a sua chance. Você passa ao ataque.

- E não me avisaram nada?! [...]

- É que a gente perdeu o contato e... [...]

- E você ainda achava que eu não ia reconhecer você. Vocês é que esqueceram de mim!

- Desculpe, Edgar. É que...

- Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam...

( Edgar. Ele chamou você de Edgar. Ele confundiu você com outro. O melhor é acabar logo com isso. [...]

- Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?

- Certo, Edgar. E desculpe, hein? [...]

- E olha, quando falar com a Ritinha e o Mutuca... 

- Bituca.

- Diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?

- Tchau, Edgar! [...]

Ao se afastar, [... ] você jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar "Você está me reconhecendo?" não dirá nem não. Sairá correndo.


***

( Que sufocão, não? hehehehehehe )




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