Tempo, tempo, tempo, tempo...

terça-feira, 12 de julho de 2011

Será você um sobrevivente?!

O SOBREVIVENTE

(A Cyro dos Anjos)




Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de 
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade





Euzinha (analisando o poema):


Drummond nos embevece com seus poemas e com a maneira pela qual dribla as palavras e o próprio leitor, vocês não acham? Enkantinho acha, viu?


Este poema faz parte do primeiro livro de Drummond, "Alguma poesia". Aqui, já observamos as influências modernistas da liberdade estética e da preocupação com o espaço vivido.


Gosto da forma como Drummond vai tecendo seus versos e de repente, PIMBA! Escreve o super verso: aquele que transforma todo o poema, como é o caso do "Desconfio que escrevi um poema".


Rico e belo é o poema, que se divide em partes distintas:


A primeira(1ª estrofe), onde o autor se sente impossibilitado de fazer poesia.
A segunda(2ª a 5ª estrofe), onde Drummond retrata as causas de não poder fazer poesia.
A terceira (6ª estrofe), o mineirinho faz o seu desfecho irônico, que contrapõe-se ao que diz o eu lírico.


Os versos são intensos e Drummond aponta a tecnologia como a vilã de tornar as coisas simples, complexas  e nos mostra que embora haja tanta tecnologia, o ser humano se distancia cada vez mais da cultura.


E vejam só como o mineirinho é radical nos seus versos: ele também deixa explícito, que mesmo o homem possuindo cultura e tecnologia às mãos,  não melhora e sequer deixa de matar.


Muitas vezes, Carlos deixa seus pontos de vista um tanto implícitos. Quando diz que o último trovador morreu em 1914 e ninguém se lembra mais do seu nome, há uma vasta crítica ao apego à guerra (no caso a Primeira Guerra Mundial), que, de nada importaria o nome de um célebre poeta!


Quando lemos o poema, percebemos que o próprio poeta se deixou contagiar pelo desapego ao ato de fazer poesia,  como se não houvesse mais conteúdos para ela, em virtudes de assuntos mais importantes para a humanidade (como a guerra).


Drummond sabe ironizar como ninguém: quando diz que um sábio profetizou que faltava muito para se alcançar um nível razoável de cultura e que até lá, felizmente, estaria morto,  implicitamente  nos repassa a ideia lógica de que, se o homem ainda não aprendeu a sequer conviver com o outro, imagine quando atingir o nivel aceitável de cultura (o poeta prefere, assim, estar morto, a conviver com a dura realidade).


Excelentes os versos onde o poeta compara o homem a percevejos (em se tratando de animais, incomodar-se é aceitável, mas quando se fala de homens que não melhoram, aí o poetinha admite ser um "baita de um absurdo").


Há ainda a expressão viva da característica meramente modernista: a de observar o mundo, de registrar os seus incômodos, como assim o fez o poeta durante todo o poema, quando por fim ele reconhece que acabou fazendo um poema modernista, claro!


Quanto ao título do poema, "o sobrevivente" seria o próprio eu lírico que conseguiu superar todas as outras correntes literárias (inclusive o último trovador de 1914), passando a escrever agora sobre as problemáticas que o cercam, seus dilemas, sua realidade e as perplexidades humanas.


Que poemão, hein? rsrsrs

Um comentário:

Angel Martins disse...

Olá, obrigada por seguir meu blog! Seguindo vc tbm bjusss

http://angelmartinss.blogspot.com/