Tempo, tempo, tempo, tempo...

sábado, 31 de dezembro de 2011

UMA CARTA PARA O MUNDO...


Estou fotografando mendigos e o último que fotografei foi esse "senhorzinho" tão singelo, tão entretido com a sua caneta, com o seu caderno  de "improviso", escrevendo, talvez, uma mensagem ao mundo...
Havia lido recentemente, a carta que segue (e acabei relacionando-a  ao simpático "velhinho").

FOTO: LOURDES IMOTO


Carta de um mendigo...
São 17 horas e 26 minutos, hoje completo 10 anos morando na rua; nessa rua!
Minha cabeça esta dando voltas. Agora lembro-me exatamente por que estou aqui: eu era um pessoa como você, tinha um bom emprego, filhos, mas por causa de minha deficiência e idade, o inferno começou a me atormentar. Perdi emprego, perdi família, veio o abandono, minha dignidade ficou numa lata de lixo, assim como meu almoço! Quase não consigo pensar em quantas doenças ou vermes eu tenho agora, mas tenho um certeza: a pior de todas as doenças é depender constantemente dos outros e viver sufocado pelo medo e violência aqui nas ruas por onde ando.
Já me disseram que estou quase àbeira da loucura, consumido pela vida; olho para todos os lados e não vejo uma saída: apenas carros que vem e vão. Estou com anemia, isso, tenho certeza! A palma da minha mão está amarela, assim como os meus olhos. Quando começa o dia, ele nunca termina. Vivo do papelão e do lixo produzido por você; só esmola não enche barriga, e dizem que o ser humano precisa comer 3 vezes por dia, mas não o mendigo! Eu já fiquei três dias sem comer, porque como a minha vida, e esmola que você me deu acabou, só a bebida me mantém vivo (quando bebo me esqueço de comer. 
Eu sei ler: tive estudo, mas não tive oportunidade;, vivia de promessas de emprego depois que fui demitido, de uma lado um governo que promete emprego para as pessoas, eles só não prometem para pessoas como nós, nós somos muitos e muito excluído, a sociedade vive nos dando as costas e nos pisando como bosta, somos muitos e eles insistem e nos ignoram perante as câmeras e comícios. O caos passa em frente a mim todos os dias.Eu me chamo os olhos da de uma parte da sociedade esquecida.Vejo crianças vendendo drogas e se drogando, vejo a prostituição de perto, como você nunca viu aos olhos de uma televisão. Vejo e enxergo muito além, juro! Consigo ver o meu futuro e o futuro de todas essas pessoas, mesmo sendo só um mendigo e não um vidente! Talvez, eu e eles não tenhamos futuro certo, mas o futuro errado você já sabe: o futuro é o mesmo pra todos nós: a morte, mas de uma forma cruel rápida e nojenta. Sim, serei, (como é mesmo que o governo chama?), ah, sim! Indigente. Mais um indigente naquelas covas sem nome e com número.
O curioso é que somos indigentes enquanto estamos vivos... 
Sabe qual é o meu sonho neste momento? É poder comer um prato de comida, para que talvez eu durma e possa sonhar com comida de novo! 
Eu não consigo dormir com fome, a zoada de carros e minha barriga gritando a todo momento, meu esquecimento se dá a toda hora; daí eu reflito: o que fiz para estar aqui?, Agora sei como vive um vira-lata e sinto isso na pele, e me pergunto por que me chamam "mendigo? Deveriam me chamar de homem-invisível.mãos estendidas, as pessoas não me veem como ser humano. Ao invés de ser humano me chamam de mendigo... Será que sou gente? Acho que não. Sou apenas um ser “humano” invisível jogado numa sarjeta invisível,  enquanto muitos deles roubam dinheiro do povo e ficam soltos.  Um dinheiro de um suor sagrado, um suor de emprego justo... Roubam sem dó, sem vergonha nenhuma. Vergonha somos nós, que quando roubamos um prato de comida apanhamos até não poder mais. Sim, somos maltratados pela polícia  à noite; somos humilhados e vigiados como se fssemos criminosos perigosos. Eles roubam nossa liberdade e nós somos criminosos.
Ás vezes sinto que a ilusão me faz delirar, e é isso o que acontece: delírios se repetem a toda a hora, e a toda hora não tenho mais forças para continuar lutando. 
Sei que meu fim é trágico e próximo e nada posso fazer. 
A chance de poder voltar e ser como era antes de eu estar aqui,  nunca mais terei! É
ruim saber que não poderei dar a volta por cima. Esse é o meu drama. Essa é minha vida. Eu não posso lutar por outra melhor e detenho-me a aceitar o meu destino...

(Essa história pode ser real: pode conter várias conhecidências).

Do blog: mizaopunk.blogspot - com adaptações minhas...



Nenhum comentário: