Tempo, tempo, tempo, tempo...

sábado, 10 de abril de 2010

As crônicas mais sublimes...

Sempre gostei de ler crônicas e, sabe? Admiro por demais os nossos cronistas. Gosto de escrevê-las também, mas quero ter um momento "zen" para publicá-las. Enquanto não o faço, quero deixar as mais sublimes ( de outros autores ) aqui no meu kantinho... Bem, claro que sei que você sabe o que é uma crônica, mas é que recebo visitas dos meus "pequenos alunos" que estão formando-se leitores agora e gosto de escrever para os meus "teens"... Eu vejo a crônica como um relato reflexivo do cotidiano... Contrapondo-se à notícia, à reportagem, ela se caracteriza por possuir esse cunho de teor reflexivo e não possui a informação como seu objetivo principal: é portanto recheada de subjetividade, tal qual o conto e, na sua estrutura podemos nos deparar com figuras de linguagem e outros recursos próprios dos textos conotativos. É um texto que possui vida curta: normalmente são publicadas em jornais, embora tenhamos antologias maravilhosas e imorredouras. Crônica, deriva do latim - antes oriunda do grego. (É.. ela também é velhinha: a primeira crônica foi publicada em 1799, na França ). Chronos é tempo, não é? Entãooooo!!! A crônica sempre retrata fatos atuais do cotidiano . Algumas são humorísticas, outras críticas... Os tipos variam: podem ser descritivas, líricas, poéticas, dissertativas, jornalistas, históricas e outras que esqueço agora... Ah, as crônicas são normalmente escritas em primeira pessoa, onde predomina o ponto de vista de quem escreve e possuem uma linguagem simples ( daí serem tão gostosas de ler ) e espontânea, não deixando de ser também literária. Vamos ler comigo uma crônica sutilmente adorável?
Crônica sublime (1)
História triste de tuim João-de-barro é um bicho que ninguém pega, embora goste de ficar perto da gente; mas de dentro daquela casa de joão-de-barro vinha uma espécie de choro, um chorinho fazendo tuim, tuim, tuim... A casa estava num galho alto, mas um menino subiu até perto, depois com uma vara de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar e veio baixando até o outro menino apanhar. Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor de entrada para o vento não incomodar, havia três filhotes, não de joão-de-barro, mas de tuim. Você conhece, não? De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim é capaz de ser o menor. Tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas penas azuis para enfeitar. Três filhotes, um mais feio que o outro, ainda em penas, os três chorando. O menino levou-os para casa, inventou comidinhas para eles; um morreu, outro morreu, ficou um. Geralmente se cria em casa em casa de tuim, especialmente para se apreciar o namorinho deles. Mas aquele tuim macho foi criado sozinho e, como se diz na roça, criado no dedo. Passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa da fazenda, comendo sementinhas de imbaúba. Se aparecia uma visita fazia-se aquela demonstração: era o menino chegar na varanda e gritar para o arvoredo: tuim, tuim, tuim! Às vezes demorava, então a visita achava que aquilo era brincadeira do menino, de repente surgia a ave, vinha certinho pousar no dedo do garoto. Mas o pai disse:"menino, você está criando muito amor a esse bicho, quero avisar: tuim é acostumado a viver em bando. Esse bichinho se acostuma assim, toda tarde vem procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar pela fazenda um bando de tuins, adeus. Ou você prende o tuim ou ele vai-se embora com os outros; mesmo ele estando preso e ouvindo o bando passar, você esta arriscando a ele morrer de tristeza". E o menino vivia de ouvido no ar, com medo de ouvir bando de tuim. Foi de manhã, ele estava catando minhoca para pescar quando viu o bando chegar; não tinha engano: era tuim, tuim, tuim... Todos cresceram ali mesmo em mangueiras, mamonas e num bambuzal, divididos em pares. E o seu? Já tinha sumido, estava no meio deles, logo depois todos sumiram para uma roça de arroz; o menino gritava com o dedinho esticado para o tuim voltar; nada. Só parou de chorar quando o pai chegou a cavalo, soube da coisa, disse:"venha cá". E disse: "o senhor é um homem, estava avisado que ia acontecer, portanto, não chore mais". O menino parou de chorar, porque tinha brio, mas como doía seu coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa que foi uma beleza, até o pai confessou que ele também estivera muito infeliz com o sumiço do tuim. Houve quase um conselho de família, quando acabaram as férias: deixar o tuim, levar o tuim para São Paulo: Voltaram para a cidade com o tuim, o menino toda hora dando comidinha a ele na viagem. O pai avisou:"aqui na cidade ele não pode andar solto; é um bicho da roça e se perde, o senhor está avisado". Aquilo encheu de medo o coração do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala; a mãe e a irmã não aprovavam, o tuim sujava dentro de casa. Soltar um pouquinho no quintal não devia ser perigo, desde que ficasse perto; se ele quisesse voar para longe era só chamar, que voltava; mas uma vez não voltou. De casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim: "tem gaiola para vender?" Disseram que tinha. "Venderam alguma gaiola hoje?" Tinham vendido uma para uma casa ali perto. Foi lá, chorando, disse ao dono da casa: "se não prenderam o meu tuim então por que o senhor comprou gaiola hoje? O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de rabo curto, não sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto, ia ficar desapontado quando voltasse da escola e não achasse mais o bichinho. "Não senhor, o tuim é meu, foi criado por mim." Voltou para casa com o tuim no dedo. Pegou uma tesoura: era triste, era judiação, mas era preciso: cortou as asinhas; assim o bicho poderia andar solto no quintal, e nunca mais fugiria. Depois foi lá dentro fazer uma coisa que estava precisando fazer, e, quando voltou para dar comida a seu tuim, viu só algumas penas verdes e as manchas de sangue no cimento. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e ainda viu o vulto de um gato ruivo que sumia. Acabou-se a história do tuim. Rubens Braga, setembro de 1958.

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