Tempo, tempo, tempo, tempo...

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

E aí vai uma crônica de Sérgio Porto...
Esta edição é uma relíquia: há nela uma coletânea extraordinária!
Gosto muito da história do analbeto ( acho que nós educadoras, sempre nos deparamos com alunos com esse perfil "astuto" ( risos ).
O ANALFABETO E A PROFESSORA
Foi quando abriram a escolinha para alfabetização de adultos, ali no Catumbi, que a Ioná resolveu colaborar. Essas coisas funcionam muito na base da boa vontade, porque alfabetizar adultos, nunca preocupou muito o governo. No Brasil, geralmente, quando o camarada chega a um posto governamental, acha logo que todos os problemas estão resolvidos, sem perceber que - ao ocupar o posto - os problemas que ele resolveu foram os dele e não os dos país. Mas isto deixa pra lá.
Eu falava no caso da Ioná. Quando inauguraram o curso de alfabetização de adultos no Catumbi, os beneméritos fundadores andaram catando gente para ensinar, e entre os catados estava um padre, que era muito bonzinho e muito amigo da família da Ioná. O piedoso sacerdote sabia que ela tinha um curso de professora irado na PUC, e só não professorava porque tinha ficado noiva. Mas depois - isto eu estou contando pra vocês porque todo mundo sabe, portanto não é fofoca não - a Ioná desmanchou o noivado. Ela era uma moça moderna e viu que o casamento não ia dar certo; o noivo era muito quadrado, embora para certas coisas fosse redondíssimo.
Enfim, a Ioná tinha o curso mas não usava pra nada, e aí o padre perguntou se ela não queria ser também professora no curso de alfabetização de adultos do Catumbi. Ela topou a coisa, e as aulas começaram.
No início eram poucos alunos, mas depois houve muito analfabeto, interessado, e o curso se tornou bem mas animado. Uns dizem que esse aumento de interesse foi por causa da Ioná, que também era muito bem feita.
Professora certinha tava ali. Tamanho universal, sempre risonha, corpinho firme, muito afável, e um palmo de rosto que a gente olhando de repente lembrava muito a Cláudia Cardinale. Além disso, ela ensinava mesmo. Seus alunos, para impressioná-la, caprichavam nos estudos, e sua turma tornou-se em pouco tempo a mais adiantada de todas.
Só um aluno era o fim da picada. Sujeito burro e duro de cabeça. Era um rapaz até muito bem apessoado, alto, louro, que trabalhava numa fábrica de tecidos. Chamava-se Rogério, era esforçado, educado, mas não conseguia ler a letra "o" escrita num papel. A turma se adiantando e ele ficando para trás. Ioná tinha pena dele, mas não sabia mais o que fazer, até que uma noite ( os cursos eram noturnos ) ela fez ver ao Rogério que assim não podia ser, e ele ficou tão triste que a Ioná sentiu pena e perguntou se ele não queria que ela lhe desse umas aulas particulares.
- Seria bom sim - ele falou. E, então, sempre que terminavam as aulas, aluno e professora seguiam para a casa dela par repassarem os estudos da noite. Era um caso curioso o desse aluno, que se mostrava tão esperto, tão comunicativo, mas que não conseguia vencer as lições da cartilha. O livro aberto na frente dele e ele sem saber se foi Eva que viu a uva ou se foi vovô que viu o ovo.
Mas, justiça se faça, com as aulas particulares, Rogério melhorou um pouquinho. Não o suficiente para acompanhar o adiantamento da turma, mas - pelo menos - já soletrava mais ou menos.
Nesta altura, o CAAC - Curso de Alfabetização de Adultos do Catumbi - já progredira a ponto de se tornar uma escola oficializada, e a Ioná estava tão interessada no Rogério que tinha noite até que ele ficava pra dormir.
Quando chegou o dia das provas e iam lá o inspetor de ensino e outras autoridades pedagógicas, Ioná foi informada do evento e ficou nervosíssima. Disse para o seu aluno favorito que era preciso dar um jeito, que ele ia ser a vergonha da turma, etc. Ele pegou e falou pra ela que pra decorar era bonzinho e, se ela fosse lendo para ele, decoraria tudo.
Claro que a Ioná não levou muita fé no arranjo, mas como era o único, aceitou. Na noite das provas o Rogério esteve brilhante e parecia mesmo que decorara aquilo tudo. Ela ficou orgulhosíssima e, mais tarde, já em casa, enquanto desabotoava o vestido, perguntou:
- Puxa, como é que você conseguiu decorar aquilo tudo, querido, tendo trabalhado na fábrica o dia inteiro?
- Eu não trabalhei não. Eu telefonei para o meu pai e disse que não ia.
- O quê??? Seu pai é o presidente da fábrica?
- E eu sou o vice.
Ela ficou besta: - Quer dizer que você já sabia ler... escrever...
- Desde os cinco anos, neguinha!

2 comentários:

Andre Mansim disse...

Stanislau era o cara mesmo... Eu tenho o livro Tia Zulmira e eu, hahahaha, acho que quando comecei a escrever eu queria copiar ele, hahaha, mas isso é um segredo, não conte a ninguém...Hahahahahahaha.

ebanobrasileiro disse...

Parabéns a Sergio Porto, suas crônicas são um misto de realidade e diversão. hahaha.