HISTÓRIA DE UMA TRAÇA
Paulo Corrêa Lopes
Conheci uma traça que se tornou espírita por ter passado uma temporada dentro de um volume de Allan Kardec.
Nunca vi espetáculo mais engraçado do que ouvi-la dissertar sobre a teoria da reencarnação para o aperfeiçoamento das almas.
Por mais que eu tentasse convencê-la do absurdo do espiritismo, nada pude conseguir. Parece que a traça sentia certo bem-estar íntimo.
Certa vez confessou-me:
- Numa vida anterior fui um elefante que vivia feliz nas florestas da Abissínia. Uma tarde, quando me dirigia a um lago para matar a sede, fui ferido em pleno coração pelo poeta Rimbaud, que negociava com marfim para esquecer seu sonho de poesia.
- Você, que me ouve, dizia-me, talvez já tenha sido um tigre e um dia será uma árvore.
Era uma traça terrível. Falava com tanto ardor que muitas vezes pensei que fosse amiga do vinho. Porém, verifiquei com o tempo que detestava a bebida porque o álcool ataca o fígado. Não era, como se vê, por virtude que não bebia.
Ainda me lembro do meu último encontro com a traça. Foi numa noite fria de agosto. O minuano soprava com tanta força que parecia um demônio em liberdade. Nesse encontro ela me falou sobre a loucura. Disse-me que a loucura se dá quando espírito de um morto encarna no corpo de um ser vivo. O espírito dono do corpo protesta contra o usurpador e o usurpador resiste; trava-se a luta e a luta é a loucura.
Depois dessa noite nunca mais a vi. Talvez a esta hora tenha voltado ao volume de Allan Kardec para resolver alguma dúvida que haja surgido em seu cérebro teimoso de traça.
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